COTIDIANO


Prossegue o cotidiano, com ou sem rima, com a presença ou ausência de atos construtivos. São várias as análises feitas por nós em relação ao futuro. Às vezes, acreditamos; outras vezes, nossas falas já se entregam ao “não dá mais, deixa quieto”.
Esses dias eu ouvi experiências de uma trabalhadora que revelava não haver nada de novo na saúde pública. Aquela já típica realidade do posto de saúde: sem médico, sem medicamento e a impotência sentida na alma e no coração de uma funcionária que não tem alternativa a não ser dizer para aquela senhora procurar o médico que precisa, de hospital em hospital.
É, a realidade é crua. E pelo salário e falta de alternativas, muitas vezes, deixa-se a rebeldia um pouco de lado. É uma realidade que nos revolta e, contraditoriamente, em alguns momentos para garantir a sobrevivência nos faz omitir aquela subversão – mas não a exclui de nossos princípios; ela permanece ali, pronta pra mostrar a cara. Além da necessidade de sobrevivência, o que também nos segura muitas vezes é saber que ainda estamos muito longe da auto-organização. Mas aí, eu cobro de mim mesma, afinal, não sou eu também responsável por essa auto-organização popular?
Sou, eu sei que sou. Mas sempre me pego pensando no que tenho feito e parece tão pouco diante da dimensão problemática! Com a melhor das intenções vamos buscando alternativas de ação para cumprir o dever histórico. Não dá mais para nos refugiarmos nos contos de fadas que nos oferecem como entretenimento. Aquele príncipe da Cinderela ou da moça pobre da novela nunca vai aparecer na sua vida, de fato. Não vai aparecer o rapaz rico que se apaixona pela meiga moça de origem pobre. Só nos jogaram essas histórias para sufocar uma revolta, que mais cedo ou mais tarde, terá que estourar. Revolta e rebeldia sim. Não pelo fato de não termos alcançado a posição de princesas na história. Revolta e rebeldia porque sabemos que para que haja príncipe e a princesa, a maioria tem que permanecer como plebe explorada.
Então, chega de ser a Bela Adormecida porque aqui a história é diferente e o lobo-mau burguês impõe suas táticas pra fortalecer o capital, tirando de nós os direitos básicos exaltados nos discursos dos ditos “democráticos”. Saúde, educação, moradia, transporte... Quer? Então compre!
Pague por isso porque aqui tudo se torna mercadoria, inclusive a vida humana. Analise e conclua.
Como eu citava no início, há momentos em que pensamos em deixar quieto. Mais muitos rappers me ensinaram a importância do “faça você mesmo” A rima e o microfone eu também tenho usado com esse intuito.
Se num dia, no fim de uma apresentação nossa, perceber a indiferença em resposta à ideia de que precisamos correr atrás do livro esquecido na biblioteca pública, no fim de uma ou outra apresentação, o abraço de uma mãe de três filhos, que sobrevive num abrigo “provisório”, revelou que as reações podem ser diversas. O filho nos braços, um sorriso no rosto sofrido; em mim o sentimento de impotência.
Como já escreveu Belchior: “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.
O medicamento anestesiado jogado pela elite afeta nossos irmãos e irmãs, alguns em menor, outros em maior dose. Somos, sim, o efeito colateral e podem ter certeza que HÁ QUEM RESISTA!!!
Aqui quem escreve é uma afro-latina...
Sammy Brown – Rapper e Escritora.

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